Dia do julgamento – maio de 2014
‘Diante de uma atrocidade, o que constitui uma boa foto?’, às vezes me perguntam. Minha resposta cabe em poucas palavras: a fotografia é a minha linguagem. (Sebastião Salgado)


Muito antes de ser um fotojornalista, eu já apreciava o trabalho de grandes fotógrafos como Steve McCurry e Sebastião Salgado. Ficava fascinado, pensando em como seria fotografar em meio à guerra ou a outras calamidades. No entanto, a história trágica de Kevin Carter, outro fotógrafo renomado, que se matou aos 33 anos, assombrado pelas vívidas memórias de mortes, raiva, dor e de crianças feridas, me fez ver o outro lado do trabalho de um repórter fotográfico. Desde então, uma pergunta me persegue: qual é o momento em que um fotógrafo deve abaixar a câmera?
Era uma pauta simples. Tinha apenas que ir ao Parque Independência e fazer uma foto de um condomínio em construção. No entanto, logo na entrada do bairro, ouvi uma gritaria estranha e me deparei com três rapazes batendo em um jovem. Os gritos eram de desespero da mãe, que tentava defender o filho dos agressores.
Ao perceber o tumulto, pedi ao motorista que parasse o carro do lado e desci correndo em direção ao envolvidos. Diante daquela violência, fiz o que julguei certo naquele momento para dissuadir ou intimidar os agressores: fotografei. Um deles se afastou imediatamente, talvez por medo de ser identificado. Um homem apareceu tentando separar a briga e foi ameaçado. Eu continuei fotografando, cada vez mais perto, numa tentativa de mostrar aos jovens que tudo aquilo estava sendo registrado. Eles foram embora em direção ao bairro.
Liguei para polícia e me identifiquei como sendo da imprensa e relatei o ocorrido. O rapaz e a mãe foram acolhidos por um morador. Seguimos em direção ao Parque Independência e fomos ameaçados pelos agressores. Decidimos voltar e no caminho não encontramos mais ninguém. Nenhum boletim de ocorrência foi registrado.
Se me perguntarem se fiz tudo o que podia pelas vítimas naquele dia, responderia que não. Afinal, quase sempre poderíamos ter feito mais ou, pelo menos, diferente. No entanto, se a dúvida fosse ‘você fez o seu melhor?’, a resposta seria ‘com certeza, eu fiz’, pelo menos para aquela situação. No dia seguinte, alguém com o jornal na mão me disse: você viu isso e não ajudou? Ajudei, sim, eu fotografei.